Travessia antártica chileno-brasileira
Por mais de vinte anos, a presença brasileira no continente austral restringiu-se às adjacências da península antártica, e somente na temporada 2004-2005 ocorreu a primeira incursão do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) no interior do continente. A estreia do Brasil no manto de gelo se deu em uma operação de destaque: a Primera Expedición Científica al Polo Sur, organizada pelo Chile, percorreu mais de 2.400 km, em ida e volta, até o polo sul geográfico.
Com logística fornecida pelas forças armadas chilenas e coordenação científica a cargo do Centro de Estudios Científicos (CECs) e do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas (NUPAC, atual Centro Polar e Climático, da UFRGS), a jornada foi a contribuição de Chile e Brasil para o ITASE (International Trans-Antarctic Scientific Expedition), esforço voltado para a compreensão do clima e da atmosfera através do gelo antártico.
A expedição revestiu-se de grande importância para o país, por ter sido a primeira ocasião em que um brasileiro, o prof. Jefferson Cardia Simões, atingiu o polo sul geográfico por via terrestre (o primeiro brasileiro a estar lá foi o professor paulistano Rubens Junqueira Villela, em 1961, mas sua viagem foi feita de avião, a convite do programa antártico norte-americano). Além disso, foi a primeira travessia antártica realizada em conjunto entre dois países latino-americanos, com os chilenos realizando estudos em geofísica enquanto os cientistas brasileiros participaram das pesquisas glaciológicas. O custo financeiro da campanha também foi muito favorável para o Brasil, que precisou arcar com 5% do valor da missão, orçada em US$ 2 milhões.
De Punta Arenas dois Lockheed C-130 Hercules da Fuerza Aérea de Chile (FACh) e um Ilyushin Il-76 conduziram o pessoal da expedição (dois brasileiros e 32 chilenos e pessoas de outras nacionalidades) e as 42 t de equipamentos até o aeródromo de Patriot Hills (80°18′S, 81°22′O, a 812 m de altitude), na cordilheira Heritage dos montes Ellsworth, a cerca de 2.100 km da Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) e a 1.083 km do polo sul geográfico, em linha reta. Junto a esse campo de pouso existia na época a estação chilena Arturo Parodi, da FACh, onde parte do pessoal permaneceu durante a travessia*. O professor Francisco Eliseu Aquino, também da UFRGS, não integrou a caravana, participando do controle da missão no ponto de origem.
O comboio era composto por um único trator, um snowcat Berco TL-6, de fabricação sueca, e três trenós rebocados, sobre os quais havia um módulo habitacional, outro voltado para pesquisa geofísica, além de equipamentos científicos, combustíveis, alimentação e outros materiais. Enfrentando temperaturas de até 34ºC negativos, a travessia antártica chileno-brasileira teve início no dia 13 de novembro de 2004 e atingiu o polo sul (2.825 m de altitude) no dia 30 do mesmo mês. Depois de permanecerem acampados por oito dias nas imediações da base norte-americana Amundsen-Scott, os expedicionários (doze chilenos e um brasileiro), retornaram à base Parodi no último dia do ano de 2004.
Durante 30 anos, o Brasil limitou suas investigações a uma zona periférica da Antártida, com temperaturas bem mais elevadas do que as encontradas no interior do continente. Justamente em função desse clima mais ameno e por causa das facilidades de acesso, a área das ilhas Shetland do Sul, onde está localizada a EACF, já está saturada de estações de pesquisa. Como consequência dessa situação, a pesquisa científica brasileira em campos como glaciologia, geologia e astronomia se vê limitada geograficamente.
Desse modo, esta primeira expedição ao manto de gelo foi um verdadeiro divisor de águas para a ciência antártica brasileira. A presença em uma latitude tão baixa expandiu consideravelmente a área de atuação do PROANTAR, abrindo caminho para novas incursões no continente.
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Desse modo, esta primeira expedição ao manto de gelo foi um verdadeiro divisor de águas para a ciência antártica brasileira. A presença em uma latitude tão baixa expandiu consideravelmente a área de atuação do PROANTAR, abrindo caminho para novas incursões no continente.
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* Em Patriot Hills a empresa norte-americana ALE (Antarctic Logistics and Expeditions, na época denominada ANI – Antarctic Network International) operava uma pista de blue ice, tipo de superfície que geralmente ocorre em áreas sem precipitação positiva de neve, e que, por sua dureza, é ideal para receber aeronaves com rodas. Em 2010, a ALE moveu sua base de operações para uma outra pista de blue ice na geleira Union, a menos de 100 km de distância, permanecendo o campo de aterrissagem original como alternativa de segurança. A estação Arturo Parodi foi desmantelada depois do fechamento de Patriot Hills e suas instalações hoje fazem parte da base Glaciar Unión, inaugurada em 2013 junto ao atual aeródromo da ALE.
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Fontes principais:
- GANDRA, Rogerio M. e SIMÕES, Jefferson C. Dialética Científico-Ambiental na Geopolítica Antártica: repercussão no programa antártico brasileiro (PROANTAR). Revista Geonorte, edição especial 3, V.7, N.1, pp. 434-447, 2013. Disponível em: http://periodicos.ufam.edu.br/revista-geonorte/article/view/1183. Ver pp. 10-11.
Fontes principais:
- GANDRA, Rogerio M. e SIMÕES, Jefferson C. Dialética Científico-Ambiental na Geopolítica Antártica: repercussão no programa antártico brasileiro (PROANTAR). Revista Geonorte, edição especial 3, V.7, N.1, pp. 434-447, 2013. Disponível em: http://periodicos.ufam.edu.br/revista-geonorte/article/view/1183. Ver pp. 10-11.
- MARQUETTO, Luciano. Variabilidade das razões de isótopos estáveis de oxigênio na neve ao longo de um transecto antártico. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Dissertação de mestrado, 2013. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/76140. Ver pp. 5 e 30-35;
- http://www.cecs.cl/polo/terrestre/prensa/mundoenlinea2122004.htm;
- http://www.cecs.cl/polo/terrestre/prensa/mundoenlinea2122004.htm;
- http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI454208-EI299,00-Brasileiros+retornam+de+expedicao+ao+Polo+Sul.html;
- http://sciam.uol.com.br/no-coracao-gelado-da-antartida/ (artigo do prof. Rubens Junqueira Villela).
- http://sciam.uol.com.br/no-coracao-gelado-da-antartida/ (artigo do prof. Rubens Junqueira Villela).
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