Projeto arquitetônico da nova Estação Antártica Comandante Ferraz






O governo brasileiro foi bastante ágil na reparação da perda da Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) em fevereiro de 2012. A primeira etapa de retirada dos destroços teve início poucos dias após o incêndio e foi encerrada com a chegada do inverno, que torna impraticável esse tipo de operação. Na temporada 2012-13 uma mobilização logística sem precedentes foi organizada pelo PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro), com o fito de concluir a limpeza do sítio, instalar uma base provisória (os Módulos Antárticos Emergenciais – MAEs) e manter o suporte logístico à pesquisa científica na região. A Operação Antártica XXXI foi um sucesso e em pouco mais de um ano o Brasil voltou a dispor de instalações próprias na ilha Rei Jorge.


Um concurso para a escolha de um projeto arquitetônico para a estação definitiva foi promovido pela Marinha do Brasil e organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Aberto à participação de estrangeiros, desde que associados com brasileiros, o certame teve 74 trabalhos entregues.


Em 15 de abril de 2013, o projeto apresentado pelo Estúdio 41, de Curitiba, foi declarado vencedor (ver aqui e aqui), sendo agraciado com um prêmio de R$ 100.000,00. Além do prêmio, o escolhido assinou um contrato para o desenvolvimento dos projetos executivo e complementares, no valor de R$ 5.183.604,00. Para a execução desse trabalho, entregue no dia 10 de outubro de 2013, a equipe paranaense estabeleceu parceria com o escritório de engenharia Afaconsult, de Portugal.


O concurso previa a renovação de todas as estruturas existentes no entorno da EACF, na península Keller, com exceção dos tanques de combustível 
(os quais afinal acabaram sendo substituídos). Em função das características do local, o projeto deveria levar em conta uma série de condicionamentos, como ventos com velocidade máxima de quase 200 km/h, acúmulo de neve que pode atingir 3m de altura, e a grande diferença de temperatura entre exterior e interior. As edificações deveriam ser projetadas considerando uma vida útil em torno de 40 anos com a mínima manutenção possível. Tanto quanto possível, as estruturas devem ser reconstruídas no mesmo local das anteriores, de maneira a diminuir a "pegada ecológica" deixada pela estação. Além disso, não se admitiria o preparo de argamassa ou concreto no local, sequer para as fundações.

Como resultado tanto do Termo de Referência (documento que orientou a participação dos interessados no concurso) quanto das adequações técnicas realizadas após a entrega do projeto executivo, o complexo terá 4.500 m2 de área construída, contando com 14 laboratórios internos e 3 externos (havia 8 laboratórios na EACF antiga). Será equipado com um módulo náutico ("cafangoria") e de mergulho com câmara hiperbárica, além de oficinas, paióis diversos, câmaras frias e outras dependências necessárias à logística das missões. A nova estação será dotada de enfermaria com sala para cirurgias de emergência e terá capacidade para alojar 64 pessoas durante o verão e 34 no inverno, com muito conforto. Todos os 30 camarotes duplos e 4 individuais serão suítes.


O Termo de Referência prevê que alguns dos módulos isolados também disporão de alojamento, seja para emergências, seja pela necessidade do trabalho científico. 
O laboratório de meteorologia disporá de acomodações para duas pessoas, assim como os módulos VLF (Very Low Frequency) e IpanemaOs refúgios 1 e 2 teriam acomodações para até 12 pessoas, obrigatoriamente com geradores de emergência (a estação de rádio de emergência também deverá ter um gerador próprio). 




Houve grande preocupação com a proteção contra incêndios. Haverá saídas de emergência, portas corta-fogo e sprinklers (chuveiros automáticos) espalhados pela base. No entanto, a praça de máquinas da nova EACF estará situada dentro da base, tal como ocorreu com a estação anterior, o que representa uma série de riscos adicionais. O Termo de referência estabelece que deverá haver um sistema alternativo de fornecimento de energia para situações de emergência (presumivelmente, uma bancada de geradores a diesel como backup), inclusive para garantir a climatização necessária em alguns experimentos, mas não se conhece sua localização.






A matriz energética da nova EACF será híbrida, com o recurso a painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas, mas o óleo diesel seguirá sendo a fonte principal, havendo intenção de uso de biocombustível no futuro (em 2011-12 a estação já sediou uma experiência pioneira com etanol). Está prevista também uma central de cogeração, com aproveitamento do calor produzido pelos geradores elétricos. Os sistemas alternativos de produção de energia serão instalados gradualmente, com importante redução de custos e de emissão de carbono.






A base terá uma smart grid, rede de potência inteligente que gerencia o consumo e a produção da energia elétrica, permitindo a otimização do uso de fontes renováveis. Além de realizar outras operações, a smart grid pode programar a diminuição do aquecimento nos setores que não serão usados no inverno, mantendo-os a uma temperatura por volta de 5ºC, o suficiente para prevenir o congelamento das tubulações –o projeto levou em conta a sazonalidade para definir os perfis de temperatura de cada zona do complexo. O sistema de calefação será composto por radiadores com resistências elétricas, instalados em cada ambiente interno e combinados com sensores de presença e termostatos ligados ao sistema automatizado.






O desenvolvimento de um projeto de tal envergadura em pleno continente antártico encontra uma série de obstáculos, relacionados a fatores climáticos e ao isolamento do local. As obras só podem ocorrer entre novembro e março, aproximadamente, e todos os elementos necessários ao processo de construção (inclusive a mão-de-obra) devem ser levados do exterior. A adoção de sistemas pré-fabricados, com a maior repetição possível de componentes do sistema construtivo permite economia de tempo considerável, reduzindo o número de processos a serem executados no canteiro.


Assim como a pré-fabricação, a modularidade é característica importante para a execução desta obra. A nova EACF será composta por 226 módulos (contêineres de 20 pés, padrão do transporte marítimo), que serão levados já finalizados, com mobília e acabamentos instalados, para implantação no interior das estruturas de aço que sustentarão os edifícios –um sistema que segue a tendência das mais modernas bases antárticas.










De modo geral, os materiais e superfícies precisam ser resistentes e independentes de manutenção, e as partes que compõem a estação devem estar disponíveis no mercado nacional para facilitar sua substituição, se necessário. Serão adotados vidros de tripla camada e painéis externos em chapas metálicas. Na estrutura, será utilizado aço de alta resistência resistente à corrosão, diminuindo a necessidade de manutenção.

Depois da entrega do projeto executivo e da realização de adequações técnicas, uma licitação dirigida apenas a empresas de engenharia brasileiras foi rapidamente organizada. A abertura das propostas ocorreria em fevereiro de 2014, mas não houve interessados. Em julho de 2014 foi lançado um novo edital, aberto também para empresas estrangeiras, que foi bem-sucedido, embora demorado (mais aqui sobre a cronologia desses processos licitatórios). Em 30 de abril de 2015, a empresa chinesa CEIEC (China National Electronics Import & Export Corporation) apresentou a melhor proposta, de US$ 99,6 milhões. O contrato foi assinado em agosto de 2015 e as obras começaram oficialmente apenas em 29 de fevereiro de 2016 
–não na Antártida, mas na China, onde seriam confeccionadas as partes que integram o complexo de conceito modular. No verão 2016-17 ocorreu a implantação das fundações e na temporada 2017-18 teve início a construção dos prédios da nova EACF. A inauguração oficial ocorreu em 15 de janeiro de 2020.



















Adiante, uma animação que mostra o projeto da nova EACF:




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